Guizado – O Multiverso Em Colapso
Lançamento
2018
Caleidoscópio da Babilônia.
Aperte o play e feche os olhos: slides da paisagem urbana serão projetados em sua mente em um caleidoscópio de signos e aromas da cidade e a audição desvendará as nuances musicais de cada código, abstrato ou não, do cotidiano paulistano – o caos térmico e a poesia de concreto, um grafitti no muro de qualquer esquina, o cheiro da chuva no paralelepípedo ou do café expresso tirado agorinha mesmo, a cervejinha gelada em copo americano, a textura da poluição que tinge o horizonte azul… A música do Guizado tem esse efeito cinematográfico e seu primeiro disco, “Punx”, soa totalmente embriagado da aura sonora de São Paulo. A partir de uma engrenagem rítmica cheia de ruídos eletrônicos, a usina de timbres faz o pano de fundo para frases de um trumpete quase sempre inquieto, que berra para se fazer ouvir em meio à solidão coletiva da metrópole.
O projeto tem à frente Gui Mendonça – trumpetista que acompanha ou já acompanhou Curumin, DonaZica, Lucas Santtana e o recém-formado Trio Esmeril. No Guizado, o músico busca (e acha) seu próprio carimbo, em uma mistura das tintas harmônicas de seu instrumento com as texturas encontradas nos experimentos com toda uma parafernália eletrônica. Se por um lado boa parte das batidas é tirada de sintetizadores analógicos e gameboy, o processo de gravação de “Punx” foi todo com fita de rolo e a combinação inteligente das atmosferas futurista e retrô confere solidez ao trabalho. O trumpete também passou por alguns filtros e os overdubs criam climas mais congestionados, em colisões harmônicas das quais nenhum ouvinte sai ferido, porém todos saem atordoados. No jeito de tocar, a referência de Miles Davis não passa desapercebida – muito mais por conta do espírito transgressor do que por um pretenso virtuosismo, diga-se.
Mas o Guizado não é jazz. Nem tampouco é rock ou hip hop – é, sim, uma colagem original de tudo isso e mais um pouco. Embora empurrado por um pulso quase robótico de tão eletrônico, o ritmo é sempre guiado pelo transe da ancestralidade afro.
Além do motor criativo de Gui Mendonça, o Guizado tem outras peças fundamentais. Curumin é o baterista na maioria das faixas; em quatro delas, quem empunha as baquetas é o incansável Maurício Takara (Hurtmold, Trio Esmeril, etc…); na seção rítmica, há ainda a participação do percussionista Maurício Alves (da pernambucana Mestre Ambrósio) em duas músicas; Régis Damasceno e Ryan Batista, guitarrista e baixista da banda cearense Cidadão Instigado, completam a maquinaria.
Com essa formação, a banda preenche as frestas abertas na combinação de sopros com as batidas digitais e nos oferece uma intrigante escultura de sucata sonora. É a trilha que faltava para decifrar de uma vez a alma da babel / babilônia.
Ramiro Zwetsch
Setembro / 2007







